“Last but not the least!” - Eis que chegámos ao último dia, à derradeira etapa desta Geopark Adventure Trip. Poderá parecer incomum ou mesmo caricato dizer isto mas esta terceira etapa foi a melhor de todas as que compuseram esta aventura, e isto pode ser dito a todos os níveis que possam imaginar!
Da qualidade dos trilhos à beleza paisagística, da exigência física à obstinação, por todos estes e mais alguns motivos, este 3º dia ficará para todos nós, no nosso “baú de recordações”, como um dia inesquecível passado em cima de uma Bicicleta Todo o Terreno! Não faço disto um cliché, mas sim uma verdade absoluta, pelo menos para mim/nós como bttistas lúdicos, tal como nos prezamos ser.
A qualidade dos trilhos nesta terceira etapa só não é brilhante porque tal como na segunda etapa surgem troços com inclinações e/ou instabilidade do sedimento que tornam a progressão no terreno quase impossível, mesmo na vertente “passeio pedestre com a ginga às costas”, quando mesmo ao lado existem melhores alternativas, perfeitamente cicláveis e nalguns casos bem mais emolduradas com a paisagem circundante. Um pormenor que requer sem dúvida atenção em futuras reedições.
Os trilhos na sua generalidade são bons, com piso predominantemente xistoso, pouco solto, sempre bem enquadrados em zonas de floresta de pinho e eucalipto e nas cotas mais altas com muito mato rasteiro. Quanto à paisagem, meus amigos, só quem lá vai pode atestar da sua magnificência! Da paisagem de altura que se obtém no Parque Eólico do Vergão e no Cabeço da Rainha, às emblemáticas passagens pela Praia Fluvial do Malhadal e Aldeia Ruiva, pontes e passagens sobre a Ribeira de Isna, toda a subida junto às diversas Aldeias do Xisto – Corgas, Pedintal, encravadas nas montanhas com a ribeira límpida a correr aos nossos pés… bem só tenho que dizer que este Portugal profundo merece uma visita! Lindo, lindo, lindo!
O dia foi igualmente magnânimo devido à exigência física requerida e claro à obstinação que nos tomou “de assalto” para completarmos com sucesso toda esta aventura a que nos propusemos. Chegámos a este terceiro dia com mais de 200 km’s e 4000 metros de acumulado de subidas nas pernas percorridos em 2 dias… é claro, que o cansaço começa a tomar conta de músculos e articulações, uma vez que o tempo de recuperação não era muito!
“A verdadeira força está no nosso cérebro e não nas nossas pernas”, ou seja, para levar de vencida determinadas “labutas”, temos que acima de tudo trabalhar com a psicologia e um bocadinho menos com o físico! E aqui entram sem dúvida a obstinação e a motivação como elementos chave para levar a jornada ao sucesso! A obstinação estava, no nosso caso, no auge! Tínhamos um conjunto de objectivos e pretendíamos levá-los todos até ao fim! Desfrutar, apreciar, fotografar e confraternizar eram os objectivos primordiais e esses desde o primeiro minuto estavam na linha da frente. Terminar estas 3 etapas, sem inicidentes eram os restantes. Conseguimos!
Não posso deixar de me referir à motivação que nos envolveu - mais uma vez o psicológico a dominar. Podíamos não estar bem preparados fisicamente, mas motivados, isso, ninguém consegue negar que estávamos. E essa motivação veio dos mais diversos e inexpiáveis quadrantes, às vezes sabe-se lá de onde!… Foram sobretudo os amigos, os familiares e a nossa própria interacção e camaradagem, as verdadeiras pedras basilares dessa motivação! Resultaram!
Deixamos a conversa “fiada” e vamos a pormenores! Mais uma vez o dia começou cedo, de “madrugada” como diria o CLI, numa altura que o “esqueleto” se colava ao colchão que nem uma lapa. “Será que dá para ligar a dizer que hoje não vou?” “Vou meter atestado!” “Morreu o periquito!”… Bem, tudo isto se cruzou na mente enquanto me decidia a levantar. Estava decididamente na “Idade do Condor” - Com dor aqui, com dor ali, com dor por todo o lado! Raios! Mas… mal colocado o primeiro pé no sapato de encaixe a coisa deu uma volta de 180 graus! Novas energias, nova motivação! “Bamos lá carago… até os comemos!”
Às 7:30 h estava à porta do João Valente, pronto para carregar a ginga e o camel-bag, hoje ainda mais pesado e atestado até ao cimo, pois a etapa prometia dureza acrescida! À espera estava já o Pedro Antunes, e pouco depois chegou o João Valente, o pai dele, nosso motorista e para não deixar de cumprir a tradição, por fim o Agnelo, “atrasado” como sempre! Ehehehe… A viagem, um pouco mais longa terminou em Proença-a-Nova onde cafeínizamos a alma e preparamos o corpinho para mais esta “estopada”. Depois da foto da praxe, lá saímos para os trilhos em direcção a Oleiros já bem perto das 9 horas.
O track original prometia, no dia de hoje, um constante sobe e desce com cerca de 9 subidas mais exigentes e como não podia deixar de ser, começou desde logo assim - uma subidinha de 3km’s que nos levaria aos arredores de Proença até aos 600 m de altitude, dando logo ali uma antevisão do que seria uma constante ao longo do dia - paisagens de altitude inesquecíveis! Contornada a aldeia de Labrunhal Cimeiro iniciamos novas subidas e descidas que nos levaram até perto de Vales onde começava uma das mais bonitas e exigentes subidas do dia até ao Parque Eólico do Vergão, as primeiras eólicas do dia. Repetindo a “receita”, passo certinho leva-nos longe, fomos vencendo a “parede” que terminou com um “pequeno passeio pedestre” mesmo antes da torre de vigia. Mas a paisagem valeu bem a pena - magnífica!
Íamos com cerca de 15km’s , era já tempo de vitaminar o corpinho, embora o vento forte quase nos arrastasse pela serra abaixo… mais valia desligarem estas “ventoinhas” pois estavam a fazer muita brisa! Mesmo ali ao lado estava um geo-caixotinho, que depressa cachamos para as nossas contas pessoais e seguimos viagem ao longo do parque eólico, com as aldeias das Cimadas do nosso lado direito e do lado esquerdo as aldeias do Vergão, Rafael, Maljoga e Isna S. Carlos a dormitar lá bem em baixo. Lá longe, o Cabeço da Rainha brilhava ao sol da manhã, a desafiar-nos…
Seguia-se agora uma apreciada descida quase paralela ao IC8 que nos levaria à Aldeia Ruiva e depois da ribeira, à Isna de S. Carlos onde atestamos os cantis de água e iniciámos mais uma imponente subida que nos levaria ao alto da serra sobre a aldeia de Sipote, onde se seguiu um novo misto de sobes e desces a meia encosta, culminando numa alucinante descida para a Praia Fluvial do Malhadal… uma daquelas descidas em que as pastilhas ficam a cheirar a ferodo queimado… que doideira!
A chegada ao Malhadal mostra-nos o que de mais bonito esta região tem para oferecer – uma paisagem de ribeira, em que o xisto domina, emoldurada com uma antiga ponte sobre o curso de água, com o percurso a saltitar de margem para margem aproveitando os singles criados pelas gentes locais, inúmeras pontes, algumas rudimentares e socalcos de acesso a hortas e terrenos de floresta… só vendo se pode apreciar toda esta beleza natural suspensa no tempo!...
A viagem continuava e agora esperava-nos outra subida, desta vez até ao alto das Corgas, onde chegámos já bem perto da hora de almoço. Ora como um homem não é de ferro, quanto mais 4, decidimos descer até ao centro da aldeia, onde refrescamos o corpinho no café central e onde confraternizámos mais uma vez com a malta habitante… a tal ponto que a dado passo já estávamos enfiados na adega do Ti Américo, com a jeropiga nos copos e uma “exigência” quase conquistada de comermos um prato de canja e pão com queijo à descrição!... O pessoal destas bandas são mesmo “portugas de gema” - hospitaleiros q.b.! Ficamo-nos pela jeropiga e saímos dali em “passo de corrida” senão ainda lá estaríamos!
Novamente em subida, seguimos em direcção às proximidades da Barragem das Corgas e mais adiante outra bonita aldeia perdida - Pedintal, onde nos fartámos de “pedir” ao pedal para lá chegar… nestas bandas não há trilhos a direito… ou sobes…ou desces… “Up and Down” era o tema do dia!... Contornámos esta aldeia pela esquerda, onde molhámos os “pezinhos” na ribeira “gelada” (que bem soube!) e seguimos por um trilho paralelo até cruzarmos mais uma ponte de xisto perdida no vale… soberbo!
A “senhora” que se seguiu, ao km 43, foi a aldeia da Ribeira de Isna onde o espírito “pedinchão” do João Valente fez novamente das suas e lá cravou umas laranjas a um habitante local, laranjas essas que souberam a “ouro”, enquanto íamos quase tomando banho noutra torneira pública, pois o calor apertava! Esta mania de tomar banho por aí, numa torneira qualquer, ainda pega moda!
O Cabeço da Rainha estava bem na nossa frente e sabíamos que tínhamos de lá ir acima, a quase 1100 m de altitude, mas o raio da subida não havia maneira de começar!... Ora subindo ligeiramente, ora com descidas “maricas” íamos “lambendo” a serra, mas nada de subida, a tal ponto que já havia pessoal a dizer frases inimagináveis num dia destes: “ Mais descidas não!...” Só podia ser do calor! Eehehehehe…
Mas ela lá começou, imponente, sobretudo numa daquelas partes “inexplicáveis” em que tínhamos pela frente uma parede que até a pé custava a subir, com caminhos cicláveis mesmo ali ao lado… não havia “nexexidade”! Mas a subida continuava e lá seguimos serra acima até ao parque eólico, lá mesmo no topo, onde a paisagem premeia quem se atreve a subir… duro mas fantástico em simultâneo! O cansaço começava a notar-se no grupo e houve quem, no cimo do Cabeço, visivelmente fatigado, afirmasse “a pés juntos” - “Eu já não subo mais serra nenhumaaaa!!!!” Pois sim… não querias mais nada… faltavam 3 e… subiu-as todas! Ahahahahah…
Na vertente norte da serra, seguimos o track, já com Oleiros em pano de fundo, mas ainda com um constante sobe e desce junto às aldeias de Fernão Porco, Sardeiras de Baixo e de Cima, sempre com as torres eólicas a dominar a paisagem. O fim aproximava-se… mas para tal faltava uma última subida quase novamente até aos 900 m, na base das eólicas, que terminava junto à manancial fonte de água na EN 538. A promessa de água fresca e o fim das subidas fez milagres e a malta, em bom andamento levou de vencida estes últimos metros ascendentes, bebendo depois com prazer aquela água fresca, cristalina… um prémio singular!
Com a tarde no seu auge, entrávamos em Oleiros por uma imensa floresta de pinho e fetos, que à média luz compunham uma paisagem inesquecível, a lembrar a Lousã nalguns dos seus troços mais bonitos…. É mesmo um prazer pedalar aqui! Íamos cansados é certo, mas visivelmente satisfeitos pelo dia bem passado a fazermos aquilo que gostamos - pedalar em BTT por ricas e singulares paisagens, em boa amizade e com bons momentos… inesquecíveis!
À nossa espera, o nosso “motorista” aguardava-nos com água fresquinha e claro… um saco de laranjas - querem ver o João Valente feliz, é dar-lhe laranjas! Em resumo… foram 3 dias intensos fisicamente, mas extraordinários a nível psicológico, pois mais uma vez senti que a camaradagem e o espírito de entreajuda fazem toda a diferença! Sim é possível fazer grandes míticas assim haja força de espírito, obstinação e motivação para tal. O treino é importante, a alimentação também, não podendo ser descurados… mas se não houver motivação e o tal gosto pelo pedal… tudo se torna mais difícil!!
Termino esta já longa crónica com os agradecimentos habituais, os quais aqui publico por ordem puramente aleatória:
- Ao João Valente por mais uma vez me ter desafiado para uma grande maluqueira;
- Aos companheiros Agnelo Quelhas e Pedro Antunes por terem aceite acompanhar-nos nesta aventura;
- Ao Fidalgo e ao pai do João Valente por nos terem ajudado em toda esta logística, que de outra maneira teria sido bem mais difícil de concluir com êxito;
- Ao Geopark Naturtejo, na pessoa do Eng. Armindo pelo contributo para esta aventura;
- Ao amigo AC que nos forneceu os tracks GPS, permitindo reeditar em autonomia, toda essa mítica prova que foi o Trip Trail 2010;
- Aos nossos familiares que nos aturaram a “maluqueira”, que nos fizeram ovos mexidos, que nos compraram isotónicos, que nos perguntavam pelo dia, que nos incentivaram a concluirmos estas 3 etapas;
- Ao Paulo Alves, representante dessas grandes máquinas Canyon, pelo cedência para test-drive da bicicleta Canyon Lux MR 9.0 SL Lux, 142 alucinantes Km’s de experiência;
- Ao Sr. Eduardo da Ferraria, ao Sr. Américo das Corgas, ao Sr. Anónimo da Ribeira de Isna, que de uma forma desinteressada nos proporcionaram momentos de convívio inesperados mas extremamente “saborosos” e bastante “hidratados”!
- A todos os nossos conhecidos, amigos e amigas, alguns dos quais sem saberem ou sem esperarem, nos incentivaram, e de que maneira, a desafiarmos os nossos próprios horizontes, levando mais além todo este nosso gosto pelo pedal;
- A todos vós - o nosso (muito) obrigado!
Reportagem: Fernando Micaelo
Fotografia: João Valente e Agnelo Quelhas